Salário é uma daquelas palavras que parecem ter história pronta: vem de sal, logo o soldado romano ganhava sal. A explicação circula há décadas, mas não passa de um mito confortável. Roma já usava moedas de bronze, prata e ouro quando formou um exército permanente. A remuneração vinha em moedas, chamada stipendium, e não em punhados de sal.
O equívoco persiste porque o sal tinha, de fato, grande peso na época. Sem refrigeração, era o que garantia a conservação dos alimentos. Era valioso, disputado e movia rotas inteiras, como a Via Salaria, usada para abastecer a capital. Esse relevo histórico ajudou a fixar a ideia de que o mineral funcionava como moeda. Não funcionava. Era essencial, mas não prático para pagar milhares de homens espalhados pelo território romano.
O termo salarium surgiu como um subsídio ligado ao sal, mas não como forma de remuneração. Com o tempo, o significado se ampliou. O que era apenas um auxílio virou sinônimo de pagamento. A generalização abriu espaço para a narrativa fácil do “sal como salário”, repetida até virar verdade popular.
A ironia é que os termos ligados diretamente ao soldo moderno vêm de outra raiz. A moeda solidus, de ouro, é a origem de soldo e soldado. O vínculo com o sal ficou na linguagem, não na folha de pagamento das legiões.
Hoje, salário é apenas o dinheiro recebido pelo trabalho. A palavra ainda carrega a memória de um produto vital para a logística romana, mas não há registro de soldados remunerados em sal. A história é mais simples e mais humana: o sal moveu impérios; o salário move pessoas. Só não foram a mesma coisa.