Moedas cortadas e ouro de reinos inimigos: o que revela o tesouro de 1.100 anos que foi achado em Israel

Moedas cortadas e ouro de reinos inimigos: o que revela o tesouro de 1.100 anos que foi achado em Israel

Descoberto em agosto de 2020 durante escavações em Yavne, Israel, um tesouro com 425 moedas de ouro puro oferece uma das imagens mais completas da economia do Oriente Médio no século IX. As peças, enterradas em um vaso de cerâmica e preservadas por mais de um milênio, mostram como o ouro circulava entre impérios rivais, como era usado no dia a dia e como a falta de moeda miúda afetava o comércio local.

O achado foi feito por jovens voluntários que participavam de uma escavação de salvamento. O vaso estava enterrado perto de antigas oficinas, o que indica uma área de produção ativa no período. O recipiente havia sido fechado com um prego, sinal de que o dono pretendia voltar para buscar o dinheiro. Algo impediu esse retorno, e o conjunto permaneceu intacto até a descoberta moderna.

As moedas são, em grande parte, dinars do Califado Abássida, cunhados em ouro de alta pureza. O grupo também inclui exemplares da dinastia aglábida, do Norte da África, e um fragmento de solidus bizantino. A presença dessas três origens mostra que o ouro atravessava regiões marcadas por rivalidades políticas e disputas militares. Para os numismatas, esse trânsito confirma o peso do metal como base comum das transações de alto valor.

O estado de conservação impressiona. O ouro de 24 quilates não oxida, o que fez as peças parecerem quase recém-cunhadas. Pesando ao todo cerca de 846 gramas, o tesouro equivalia, na época, ao preço de uma casa de alto padrão em Fustat, capital do Egito. O valor permite concluir que o proprietário circulava entre mercados importantes e lidava com cargas e mercadorias de alto preço.

Mais da metade das peças é formada por pequenos cortes de dinar. Esses fragmentos funcionavam como troco quando moedas de cobre sumiram de circulação. A prática se tornou comum a partir da segunda metade do século IX e ajuda a entender a economia do período. O corte de moedas de ouro indica que, apesar de o comércio de longa distância continuar forte, faltava base monetária para compras simples, como alimentos e ferramentas.

O fragmento de solidus bizantino acrescenta uma camada rara de informação. O solidus era a moeda de ouro do Império Romano do Oriente e circulava em áreas ligadas a Constantinopla. Sua presença em um vaso enterrado no território abássida mostra a permeabilidade das fronteiras econômicas. O fato de ter sido cortado para uso como troco destaca o caráter prático do ouro, que perdia o valor simbólico para assumir apenas seu peso metálico.

As inscrições em cúfico presentes nos dinars ajudam a identificar oficinas de cunhagem e datas aproximadas. Esses dados permitem mapear rotas e entender o fluxo de ouro em uma época com poucas fontes escritas. Cada peça traz um pedaço da estrutura administrativa do califado, que dependia do dinar como unidade padrão.

O vaso foi encontrado ao lado de estruturas ligadas a antigos ateliês. Esse detalhe reforça a hipótese de que Yavne funcionava como ponto ativo de produção e troca, abastecido por rotas vindas da Mesopotâmia, da África do Norte e de cidades ligadas ao Mediterrâneo. A quantidade de ouro encontrada ali sugere operações comerciais maiores do que se supunha para a região.

O estudo detalhado do conjunto segue em andamento. Pesquisadores analisam peso, diâmetro e estilo das moedas para identificar padrões que expliquem a origem do ouro e seu caminho até Yavne. O objetivo é reconstruir a dinâmica da economia abássida, marcada pelo movimento constante de mercadorias e pela adaptação ao desaparecimento de moedas de baixo valor.

A descoberta mostra que, para além dos grandes centros, cidades consideradas secundárias tinham papel ativo no comércio. O tesouro ajuda a preencher lacunas sobre o século IX e revela como o ouro, cortado, trocado e transportado por longas distâncias, refletia tanto a prosperidade quanto as dificuldades do cotidiano no mundo islâmico medieval.

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  • user por DAILTON NASCIMENTO DOS SANTOS

    Como ex colecionador, tenho todas as moedas comemorativas do Brasil para vender, inclusive dos Direitos Humanos. E de outros países como Chile, Espanha, Venezuela e França - 4799977-6801

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  • user por Carlos Wanderson de Araújo Martins

    Essa moeda vai ser da hora. Será que vamos conseguir?

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  • user por Uilmara Machado de Melo

    Uma homenagem, REALmente, merecida!

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