Moedas no caixão do Papa: origem e significado dos rituais finais no sepultamento do Papa Francisco
Foto: Fiéis prestam homenagem ao Papa (Vatican Media)
O caixão de um Papa não guarda apenas seu corpo. Guarda também símbolos de um legado. Entre eles, moedas e medalhas cunhadas durante o pontificado. No caso do Papa Francisco, falecido recentemente, a presença de uma bolsa contendo essas peças reforça uma tradição milenar que resiste ao tempo — mesmo após as mudanças que ele próprio promoveu nos ritos funerários da Igreja Católica.
A prática chama atenção e desperta curiosidade: por que moedas? Por que enterrá-las junto ao Papa?
A resposta está na intersecção entre a história, a fé e os ritos de passagem. Antes de ser uma tradição católica, a ideia de enterrar pessoas com moedas vem de práticas da Antiguidade. Na Grécia, era comum colocar uma pequena moeda, o chamado óbolo de Caronte, na boca do morto. O valor simbólico: pagar a travessia do rio Estige, conduzida por Caronte, rumo ao mundo dos mortos. Em Roma, práticas semelhantes eram registradas. No Oriente Próximo e no Egito, moedas e objetos eram sepultados como provisões para a vida após a morte.
Com o tempo, a Igreja assimilou algumas dessas práticas e lhes deu novos significados. No Vaticano, os funerais papais passaram a incluir objetos simbólicos no interior do caixão. As moedas cunhadas durante o pontificado tornaram-se uma constante. Assim como as medalhas papais, que celebram anos santos, eventos marcantes e iniciativas do pontífice.
As moedas, em ouro, prata e cobre, são colocadas em um pequeno saco. A quantidade costuma variar de acordo com os anos de pontificado. A lógica é simples: uma moeda por ano de liderança da Igreja. Representam a administração do tempo, os frutos do serviço prestado, o legado espiritual e material de um Papa.
As medalhas, por outro lado, funcionam como registros em metal. São mais que homenagens: são mensagens visuais sobre o que foi vivido e defendido. Em termos teológicos, podem ser vistas como sacramentais — objetos que reforçam a fé, a devoção e o vínculo espiritual de quem os carrega.
Outro item sempre presente é o “rogito” — um documento colocado junto ao corpo, que narra brevemente os principais atos do pontificado. Também são incluídos elementos litúrgicos, como o pálio, usado por arcebispos e simbolicamente ligado à autoridade pastoral.
Durante séculos, os Papas eram enterrados em três caixões: um de cipreste, outro de chumbo ou zinco, e um externo de carvalho ou olmo. Cada um com seu significado. O cipreste, sinal da humildade e da mortalidade; o chumbo, da preservação e da eternidade; o carvalho, da dignidade e da força.
Francisco, no entanto, decidiu simplificar o ritual. Aboliu os três caixões e escolheu um único modelo de madeira (revestido de zinco), em sintonia com seu estilo pastoral mais sóbrio e direto. Mas a tradição das moedas permaneceu. Mesmo num funeral simplificado, os símbolos do pontificado estão lá. E a permanência deles mostra que, em meio às reformas, há elementos que resistem — por seu peso histórico, simbólico e espiritual.
Essa permanência também reflete o entendimento do Papa sobre a importância dos ritos. Francisco não negava a tradição. Mas buscava purificá-la de excessos, mantendo o essencial. E entre os elementos essenciais, as moedas falam alto.
O gesto não é decorativo. Ele carrega camadas de sentido: a marca do tempo vivido, o registro de decisões, a memória institucional da Igreja. Colocar moedas no caixão de um Papa é, ao mesmo tempo, um ato de encerramento e de continuação. Marca o fim de um pontificado, mas preserva, em metal, o que foi feito.
Esse costume não é exclusivo da Igreja. Culturas ao redor do mundo, desde a antiguidade, usaram objetos simbólicos nos enterros. Mas o modo como o Vaticano adaptou a prática revela a capacidade da fé católica de dialogar com o passado sem perder seu centro: a esperança na vida eterna.
Nos funerais modernos, as moedas e medalhas funcionam como pontes entre a história e o presente, entre o ritual e a fé, entre o homem que liderou a Igreja e a instituição que continua.
A morte de um Papa sempre chama atenção do mundo. Mas são os detalhes silenciosos — como a pequena bolsa de moedas dentro do caixão — que falam com mais profundidade sobre o que significa o papado. E sobre o que permanece quando o pontificado termina.