📖 Artigo escrito por Gabriel Amaral Lourenço
📰 Publicado no BOLETIM 86 da SNB
Por volta de 1200 A.E.C, na Anatólia, território que hoje pertence à contemporânea República da Turquia, prosperou uma grande imigração de povos helênicos (gregos), que eventualmente formariam um reino de origem grega, conhecido por Reino da Lídia.
Os antigos gregos que ali passaram a habitar, encontraram nos leitos dos rios da Lídia um metal chamado de Electrum, formado por uma liga natural de ouro e prata normalmente em forma de pepita, que também é frequentemente encontrado contendo outros oligoelementos como platina, cobre e outros metais. Essas ligas emitem uma propriedade brilhante que capta facilmente os raios solares. Uma variedade de cores pode ser encontrada, variando de amarelos claros a verdes brilhantes. Ocasionalmente, até mesmo uma cor acobreada devido ao maior teor de cobre pode ser vista.
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Primeiras emissões em Electrum
Por volta do ano 650 A.E.C., estas pepitas de electrum, que já eram usadas como moeda de troca, em forma de escambo, por habitantes locais, passaram então a receber uma punção com o selo do rei lídio Aliates, dando assim início às primeiras moedas conceituais do mundo ocidental.
As razões para tal subsídio são diversas, um deles seria o objetivo social de prestar um serviço coletivo à comunidade na facilitação do comércio, pois com o selo do Estado confirmando a autenticidade e peso do metal, evitava o trabalho de ter que pesar a pepita cada vez que fosse utilizada. Mas o Estado também pôde prever um ganho econômico para si próprio com a promoção da monetização. Sendo o maior gastador e destinatário de dinheiro na comunidade sob a forma de metais preciosos em numerosos pequenos lotes, o governo tinha muito a ganhar com a difusão da moeda, a fim de economizar os seus próprios custos de transação nos seus assuntos orçamentais. Uma analogia adequada seria o incentivo dos governos contemporâneos para encorajar o uso popular de computadores, a expensas públicas, a fim de induzir declarações online de rendimentos tributáveis.
Contudo, o nascimento da cunhagem ainda está envolto em mistério, já que a maioria das primeiras cunhagens de electrum não pode ser atribuída a casas da moeda específicas. As moedas de Éfeso, por exemplo, podem ser identificadas pelo emblema de uma abelha, assim como as de Sardes, pela cabeça do leão e de Mileto pelo leão reclinado ou a de Kyziko pela presença de peixes. No entanto, existem cerca de 400 séries de moedas de electrum antigas: muitas delas podem ser aproximadamente classificadas e datadas, mas não sabemos quem as cunhou, para não mencionar a ocasião específica e as circunstâncias históricas.
Nesta situação confusa, a moeda real da Lídia destaca-se pelo seu estilo e consistência distintos. Ao longo de sua cultura material, os lídios usaram como símbolo de poder o leão europeu, extinto desde o ano 100 d.C., quando os últimos indivíduos desta subespécie foram mortos na Grécia, na Itália e mesmo no norte de Espanha.
O primeiro sistema bimetálico
Acredita-se que as primeiras moedas de ouro puro e prata pura tenham sido produzidas na mesma casa da moeda das moedas de electrum. Elas carregam as partes dianteiras confrontadas de um leão (esquerda) e um touro no anverso e duas marcas quadradas no verso, um simbolismo geralmente associado à Pérsia. Por este e outros razões, alguns estudiosos argumentam que todas essas moedas foram emitidas após a conquista de Sardes por Ciro II em 547 A.E.C.
Outros, no entanto, aceitam a visão tradicional de que as moedas de ouro, pelo menos, podem ter sido introduzidas antes, durante o reinado do rei lídio Creso, devido a várias referências em textos gregos antigos ao ouro “Croesus stater”, que se acredita que poderiam ter sido apenas estas moedas. De qualquer forma, estas moedas foram emitidas a partir de meados do século VI A.E.C.
Primeiras emissões Persas
A conquista da Lídia por Dario I, o Grande, da Pérsia em 546 A.E.C., marcou um ponto crucial na história da moeda ocidental. O reino lídio, sob o reinado de Cresus (560-546 A.E.C.) havia se tornado pioneiro na cunhagem de moedas de ouro e prata padronizadas, estabelecendo um sistema monetário inovador que facilitava o comércio e a administração.
Ao incorporar a Lídia em seu vasto império, Dario reconheceu o valor da moeda como ferramenta de poder e prosperidade. Em vez de suprimir a moeda lídia, Dario a adotou como base para o sistema monetário persa, expandindo seu uso para as diversas regiões sob seu domínio.
Eles foram seguidos por volta de 500 A.E.C. por outra série, que se tornou sem dúvida uma moeda real persa, conhecida pelos gregos como “Estáteres de Dário” (ouro) e “Siclos de Dário” (prata), ambas com a imagem característica do arqueiro no anverso.
O objetivo era aparentemente fornecer um padrão uniforme de valor em todo o império e também, segundo Heródoto (1920, livro 4, p. 166), demonstrar o poder do próprio Dario, ‘deixar um memorial de si mesmo, como nenhum rei jamais havia deixado antes’. Ele refinou o ouro até a última perfeição de pureza.
Para que dele fossem cunhadas moedas. A cunhagem do dárico de ouro continuou até a conquista do império por Alexandre em 331 A.E.C. e talvez também sob sua autoridade, mas a produção de moedas de prata parece ter cessado no início do século IV (Alram, 2012).
Os dáricos (estáteres de Dário) e os siclos eram moedas comerciais, que gozavam de grande prestígio em todos os lugares e eram frequentemente imitados em peso, pureza e até mesmo design. Os dáricos, em particular, serviam como padrão-ouro em toda a parte oriental do império persa e na Ásia Menor e ainda eram cunhados em Sardes.
Sugere-se que uma grande proporção da moeda Aquemênida foi utilizada exclusivamente para pagar o estabelecimento militar, ouro para o exército, prata para a marinha. Esta curiosa divisão pode ter refletido o fato de a prata ser a moeda comum no Mediterrâneo, enquanto o exército operava principalmente na Ásia Ocidental, onde o ouro era preferido. Nos séculos V e IV, o uso da moeda espalhou-se para o Oriente, embora as transações continuassem também a ser feitas em barras de ouro ou prata, sendo o peso determinado pelas noções de valor das mercadorias envolvidas. Além disso, a maior parte de todas as transferências de mercadorias continuou a ser transações sem troca: tributos, impostos e presentes.
Do século VI ao IV, a cunhagem também se espalhou para oeste, para a Grécia e Itália, e para sul e leste, ao longo do litoral mediterrâneo, até as cidades-estado da Síria persa (Lícia, Cária, Panfília, Cilícia, Tarso, Tiro, Biblos, Sidon, Aradus e outros) e a satrapia do Egito (ca. 361).
Esse padrão monetário, criado pelos gregos e expandido pelos persas, passou a ser adotado em todas as civilizações do Mediterrâneo, difundindo o conceito de moedas em prata e ouro e revolucionando o comércio no mundo ocidental.
A primeira moeda internacional
O tetradracma ateniense, com sua distintiva efígie da coruja de Attica, transcendeu as fronteiras da Grécia Antiga para se tornar a primeira moeda internacionalmente reconhecida do mundo ocidental.
A vitória ateniense na Guerra do Peloponeso solidificou a posição de Atenas como uma potência marítima e comercial, e o tetradracma ateniense, com sua distintiva efígie da coruja de Attica, transcendeu as fronteiras da Grécia Antiga para se tornar a primeira moeda internacionalmente reconhecida do mundo ocidental.
O formato e o peso padrão do tetradracma facilitavam as transações comerciais, tornando-o uma moeda prática para grandes e pequenas negociações. Estas moedas foram amplamente utilizadas no comércio entre os povos do mundo persa, em cidades-estado gregas e por todo o Mediterrâneo. Nos centros mercantis eram amplamente usadas e algumas vezes essas moedas eram encontradas como uma espécie de barras de ouro e são encontradas em tesouros misturados lógicos de moedas de ouro e de prata.
A inscrição em letras gregas antigas ΑΘΕ é uma abreviação da palavra ΑΘΗΝΑΙΩΝ (ATHINAIÔN), que pode ser traduzida como "dos atenienses".
Uso diário, esse tipo de moeda era chamado de glaukes, γλαύκες, que significa simplesmente “coruja”. Esta moeda de prata foi emitida pela primeira vez por volta de 500 A.E.C. em Atenas, depois dos persas terem sido derrotados pelos gregos na Batalha de Plateias, marcando o fim da Segunda Invasão Persa e afirmando o poder e influência da superpotência de Atenas.
A partir daí, estas peças influenciaram todas as moedas cunhadas no mundo ocidental (Europa, norte e nordeste da África, Oriente Médio e sul da Ásia) em termos de conceito econômico, artístico, industrial e de propaganda política, mudando completamente a ordem geopolítica e o comércio internacional na história humana.
A origem e evolução da moeda ocidental representam o exemplo de como inovações econômicas podem moldar e transformar sociedades. A introdução das primeiras moedas na Lídia, com a utilização de electrum, marcou um avanço significativo na facilitação do comércio e da administração financeira. Este desenvolvimento foi amplamente expandido e consolidado pelos persas, que integraram e padronizaram a moeda lídia dentro de seu vasto império, criando um sistema monetário uniforme e eficiente, demonstrando a importância das inovações monetárias para o desenvolvimento de uma sociedade e a extensão de sua influência política na vida humana. Esse processo não apenas transformou a economia das civilizações antigas, mas também deixou um legado que continua a influenciar a economia global até os dias de hoje.
Através da análise da origem das primeiras moedas, podemos abrir um caminho para o desenvolvimento de soluções financeiras inovadoras ou inspirar novos sistemas econômicos que respondam melhor às necessidades do mundo atual, onde a moeda se torna digital. Tornando assim, o estudo das moedas da antiguidade clássica não apenas uma exploração do passado, mas uma ferramenta poderosa para moldar o futuro da economia global.https://snb.org.br/associados/
Referências Bibliográficas
- Alram, Michael (2012). DARIC. Encyclopaedia Iranica, VI/1, pp. 36-40, ISSN 2330-4804.
- Daehn, William E. (2012). Half-figure of the King: unravelling the mysteries of the earliest Sigloi of Darius I.
- Heródoto (1920). The Histories – The Persian Wars, vol. IV. Translation by A. D. Godley. Cambridge: Harvard University Press.
- Kurke, Leslie (1999). Coins, Bodies, Games, and Gold: The Politics of Meaning in Archaic Greece.
- Metcalf, William E. (2016). The Oxford Handbook of Greek and Roman Coinage.
Imagens
- Mapa: https://study.com/academy/lesson/the-lydians-history-religion-civilization.html
- Creso: https://www.istockphoto.com/br/vetor/hist%C3%B3ria-antiga-croesus-na-pilha-de-funeral-gm543192668-97419879
- Dário: https://www.istockphoto.com/br/vetor/dario-eu-terceira-cama-king-do-imp%C3%A9rio-persa-aquamenid-gm543192382-97419561
- Moedas: www.ngccoin.com